Se forem eliminados os constrangimentos da burocracia, se o Estado atuar para além da ótica de curto prazo e se os objetivos forem claros, o sector da Saúde pode ser um dos maiores polos de inovação.
Na passada semana, a Comissão Europeia tomou a decisão de proibir a participação de empresas chinesas em concursos públicos para a aquisição de dispositivos médicos com valor superior a 5 milhões de euros. Somos pelo mercado livre, pela livre iniciativa e acreditamos nas virtudes da concorrência, mas em comum temos de definir políticas que defendam os nossos interesses estratégicos e exigir reciprocidade.
A Europa, como um todo, tem de ser consequente: para sustentarmos o nosso nível de desenvolvimento e garantirmos o nosso modelo social, há que criar riqueza – e isso exige investimento, organização e condições para prosperar. É dramático perceber que, há 15 anos, a economia da EU era semelhante à dos Estados Unidos e hoje está a 33%. Há que atuar: com medidas de simplificação, com estímulos ao investimento e ao aumento de produtividade, com inovação e força de trabalho qualificada.
Neste momento crítico, em que os muitos europeus se apercebem da redução drástica da sua influência geoestratégica, não são precisos mais estudos: é atuar que faz falta. O Relatório Draghi faz uma análise certeira da situação e recomenda muitas decisões de política económica para pôr a Europa a crescer mais e ser competitiva.
Por exemplo, Mário Draghi considera que o setor da Saúde deve ser incentivado porque tem grande capacidade de alavancagem sobre a economia. Nesse sentido, refere que se deve acelerar a digitalização da saúde e a implementação do Espaço Europeu dos Dados de Saúde (EHDS), suportados nomeadamente por fundos comunitários. Nota que o devido tratamento dos dados e a utilização da Inteligência Artificial permitirão fazer mais ensaios clínicos e reduzir o prazo de investigação de novos medicamentos, dispositivos médicos e outras tecnologias médicas, sendo que aos reguladores também cabe um papel importante para permitir o acesso mais rápido à inovação.
Há aqui muito que o setor privado da saúde pode fazer, mas há um papel importante que só os Estados podem garantir. O bom funcionamento dos organismos públicos é condição necessária para termos mais e melhor saúde.
No caso português, pelos dados mais recentes, o setor privado é composto por mais 33.596 empresas, com mais de 150 mil pessoas qualificadas, que geram anualmente um valor acrescentado bruto superior a 7.276 milhões de euros e exportam mais de 3 mil milhões de euros.
Podemos contribuir ainda muito mais para a economia nacional e para a Saúde. Para isso, é muito relevante que haja um alinhamento para dinamizar uma política industrial da saúde. “O potencial do setor da Saúde, enquanto motor do desenvolvimento económico e social, deve refletir-se na vitalidade do ecossistema em termos da capacidade de valorização e da transferência do conhecimento para o tecido empresarial.” Os Ministérios da Economia e da Coesão, da Educação, Ciência e Inovação e da Saúde são chamados a este desígnio de uma política industrial da saúde com impacto na competitividade e internacionalização da economia e do acesso dos portugueses aos cuidados de saúde.
No setor farmacêutico o potencial de crescimento, inovação e internacionalização é notável. Esta indústria representa uma base produtiva altamente qualificada e com uma cadeia de valor robusta. A aposta numa política industrial da saúde deve, por isso, incluir incentivos à investigação clínica em território nacional, à disponibilização de medicamentos de alto valor acrescentado e ao reforço da soberania farmacêutica europeia, um objetivo tornado evidente após a pandemia.
Também em Portugal muito diagnósticos estão feitos, pelo que há que sistematizar as questões, decidir e pôr em marcha. Com a nova orgânica do Governo, porventura a inclusão da Reforma do Estado pode ser aqui o fator determinante para que a simplificação e a digitalização sejam o mote e a forma de avançar em questões tão determinantes como os licenciamentos, os prazos de pagamento, os processos de introdução no mercado ou os modelos de contratação pública.
Existe uma rede de empresas e unidades de saúde licenciada, qualificada, tecnicamente apetrechada, distribuída capilarmente por todo o país, em condições de satisfazer as necessidades da população em termos de cuidados de saúde. Mecanismos de contratação simples, equilibrados e eficientes, como as convenções, podem resolver os constrangimentos de saúde da população.
Não precisamos de protecionismo ou de medidas de exceção – ousamos pensar que se forem eliminados os constrangimentos da burocracia estéril, se o Estado atuar para além da estrita ótica de curto prazo e se os objetivos forem claros, o sector da Saúde pode ser um dos maiores polos de inovação e crescimento de Portugal.
Pelo lado das empresas do setor da saúde, está não apenas a vontade de trabalhar nesta agenda com o Governo mas, e sobretudo, a ambição de transformar a nossa capacidade de investimento e de gestão em resultados concretos no desenvolvimento do país.
Este artigo foi publicado no Observador, no dia 9 de julho de 2025, e escrito em co-autoria por João Almeida Lopes (presidente APIFARMA — Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica), Oscar Gaspar (presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada), Ema Paulino (presidente da ANF – Associação Nacional das Farmácias), Nuno Flora (presidente da ADIFA — Associação de Distribuidores Farmacêuticos), Antonieta Lucas (presidente APORMED — Associação Portuguesa das Empresas de Dispositivos Médicos), João Paulo Nascimento (presidente da Equalmel — Associação Portuguesa de Medicamentos pela Equidade em Saúde) e António Barros Neves (secretário-geral da federação nacional dos prestadores de cuidados de saúde).